Odarico Benetti

 
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Em seu último dia de vida, Odarico foi visitar mais uma vez a obra do pequeno restaurante construído pela família. Era quase um presente para ele e para a esposa, uma distração com poucas responsabilidades para preencher as horas de ócio da aposentadoria com o objeto da paixão dos dois. Ele ansiava por ver a churrasqueira pronta, afinal dedicara sua vida à arte de assar a carne, e saiu de lá feliz. Estava mesmo muito bem feita.

Em sua trajetória, Odarico chegou a abrir três churrascarias em São Paulo e em Guarulhos, foi esse o ramo escolhido por sua família gaúcha recém-chegada do Sul. E no início dos anos 2000 comprou o primeiro estabelecimento aberto pelo tio Adelino, pioneiro no negócio, na cidade. Para ele, a vida e o trabalho nos estabelecimentos eram uma coisa só. Estava sempre presente acompanhando a rotina, precisava mesmo estar doente para não ir.

O dom e a disposição para o comércio fluíam em seu sangue. Ainda em Gramado trabalhou desde pequeno nos negócios familiares. Aos 18, depois de passar a adolescência no açougue, entregava de caminhão o leite produzido nas fazendas do entorno. Odarico vislumbrou um futuro para si na boleia, viajando pelo Brasil, e fez justamente isso por cinco anos até receber o convite de Adelino para algo melhor.

Na época, seu tio mais velho já havia chegado a São Paulo e ficado deslumbrado com a cidade. Abrira diversas churrascarias e agora dedicava-se a trazer os irmãos e sobrinhos. Odarico, recém-casado com a professora Neuci, escolheu a Vila Guilherme para o seu primeiro restaurante, a Brasão. A esposa tinha um curso de contabilidade e cuidou da parte financeira e administrativa daquela empresa até o fim. A parceria azeitada dos dois incluía dois filhos, Fabiano e Cristiana.

Odarico era um sujeito fechado, resultado de uma criação severa na família de descendentes de italianos. Mas também sabia se abrir quando conquistava mais intimidade, e era conhecido por ser bondoso. Se alguma criança surgisse em qualquer uma das suas casas pedindo comida, sentia-se incapaz de negar. Isso era para ele algo sagrado. Assim como a fé e o próprio ato de louvar a Deus, não necessariamente em igrejas, mas em qualquer lugar. Construiu uma capela em um sítio da família para isso.

Apesar da dedicação total ao trabalho, Odarico tinha também um passatempo mais inusitado. Apaixonado por máquinas e motores, divertia-se desmontando essas estruturas. Na década de 90 sua alegria era ver os tratores de 25 toneladas funcionando em sua fazenda no Mato Grosso. Melhor ainda quando quebravam e podia acompanhar o conserto e comparar o funcionamento aos outros sistemas que conhecia. “Se meu pai tivesse nascido hoje, teria sido engenheiro”, imagina o filho Fabiano.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, foi aposentado pela família com o fechamento do último restaurante. Os outros imóveis já haviam sido alugados anos antes. Ele não queria parar, é verdade, mas aproveitou bem esse momento de descanso para curtir a neta, Laura. Seus sonhos eram apenas os surgidos no sono - voar entre as nuvens o mais recorrente entre esses - porque os da vida real realizada todos.

Horas depois de ver pronta a churrasqueira do pequeno novo empreendimento da sua família foi quase como se completasse um ciclo. Horas depois sentiu-se mal, foi internado no dia seguinte e faleceu no outro, levado por uma crise de pancreatite. Sua história estava completa.

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