Maria Liberato Rodrigues
Das mãos de Maria saía um pão como poucos. Era essa uma das suas especialidades na cozinha, território onde ademais costumava brilhar com massas caseiras de lasanhas e de macarronadas. Dos oito filhos, apenas uma exibe hoje o domínio dos intricados segredos daquele pão. Seus outros ensinamentos, complemento de uma criação baseada na presença e no amor, foram mais facilmente assimilados.
Nascera em Ribeirão Preto e trabalhou desde muito cedo na roça para ajudar os pais, imigrantes da Espanha e da Itália. Aqueles primeiros anos penosos e sem boas lembranças incluíram ainda uma passagem por Penápolis antes de a família se assentar em Tupã.
Conheceu Antônio na cidade. Espanhol chegado no Brasil aos oito, compartilhava com ela um histórico familiar similar, com raízes no antigo continente. Casaram-se em 12 de junho de 1943, seis anos antes de a data tornar-se o Dia dos Namorados no Brasil. Foram 54 anos felizes juntos, com a companhia dos filhos Aldo, Idalina, Nair, Antônio, Elza, Eunice, Roseli e Rosimeire.
Amamentou a todos e os acompanhava na escola. Só pudera estudar o suficiente para ler, escrever o próprio nome e fazer contas, mas preocupava-se com o progresso das suas crianças e os aconselhava. Falante e desenvolta, o papo e o cantarolar fácil vinham soltos como as eventuais broncas. Maria trabalhou em casa, costurando camisas para lojas do Brás e outras peças. O marido dava duro em fábricas, foi contramestre em algumas.
Era uma grande amante da música sertaneja, especialmente a de Tonico e Tinoco, de quem vivia cantando canções. E distraía-se do passar das horas cuidando das flores que plantou em seu jardim. Evangélica fervorosa, amava Deus acima de tudo e fazia anotações em sua Bíblia.
Foi uma avó bastante presente para os 18 netos, 24 bisnetos e 2 tataranetos, especialmente para os que viviam perto de si. E fez questão de cuidar dos pequenos conforme foram nascendo. Foi levada por uma forte pneumonia aos 98 anos, não sem antes ouvir muito da filha Nair a canção Gondoleiro do Amor, de Tonico e Tinoco e baseada em um verso de Castro Alves. Música amada por ela e cantada nos antigos tempos de roça pelo pai. Maria deixou para os seus muito mais que uma receita deliciosa de pão.