Maria da Penha Silva Ricci

 

No vazio da partida de Maria da Penha sua família encontrou entre seus pertences cadernos, bilhetes e cartas com recados para os filhos e netos. Naquelas linhas traçadas, mas nunca enviadas, ela deixou correrem livres seus sentimentos de saudade, de alegria e também de tristeza. A razão do pequeno segredo é insondável para todos, misteriosa como a vida. E de certa forma pouco previsível para alguém tão transparente e acostumada à exposição.

Ela fizera afinal da explicação das coisas do mundo a razão da sua caminhada, como professora de primário. Primeiro, ainda jovem em fazendas do entorno de Lins, no interior de São Paulo. Passava os dias de semana nas propriedades, longe da família e vivendo em instalações precárias. Convivendo com banheiro externo, luz de lampião e, ao menos uma vez, com uma cobra na cama. A rotina era dura, mas ela estava certa de sua vocação.

Recém concluíra o antigo curso Normal em Lins depois de ter se mudado adolescente com os pais e os três irmãos de Ituverava. Lá ficaram uma infância feliz com parentes e primos, os banhos de rio, passeios em sítio e os primeiros namoradinhos. Um concurso para o Magistério a trouxe do interior para uma ainda pequena Guarulhos no fim dos anos 50. O irmão Rubens já vivia em São Paulo e logo os pais também vieram. Maria especializou-se na 4ª série primária de colégios estaduais e depois de instituições particulares.

Além de melhores condições de trabalho, Guarulhos também lhe apresentou o futuro marido, Valdomiro. André e Cláudia foram os filhos por quem batalhava. Maria equilibrava o cuidado e a preocupação com os dois com a rotina intensa nas escolas. “Consegui aprender muito com ela, principalmente honestidade”, conta o primogênito. Seus alunos e colegas também carregam boas lembranças de uma pessoa calma e profissional. A paixão e o talento no ensino eram imensos e acabaram inspirando a irmã, Áurea, a tornar-se professora também.

Admiradora da música clássica, chegou a tocar violino, mas o trabalho não permitia as horas de estudo necessárias. Encontrou passatempo nas telas de pintura. Seus temas favoritos eram paisagens, casinhas interioranas, barcos. Sonhava em um dia se mudar para um lar como os de suas criações, ladeada por um pequeno lago e com animais.

Chegou a voltar para sua Ituverava natal buscando um pouco daquela paz, mas acabou retornando a Guarulhos para ficar perto das netas Larissa e Isabella. A alegria de poder acompanhar e mimar as meninas fazia tudo valer a pena.

Vivia saudáveis 89 anos quando caiu em casa. Porém, na sequência da bem-sucedida recuperação da cirurgia necessária foi ficando cada vez mais fraca até enfim partir. Talvez fosse o plano daquela mente tão lúcida ter suas cartinhas encontradas pela família depois de sua passagem. Um último cuidado, uma maneira de dizer amor.

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