Maria Angélica Alves
Maria Angélica queria mais da vida, algo além da rotina rural ajudando os pais José e Angelica na roça em Iraquara, na Chapada Diamantina. Quando pôde vendeu uma vaca para pagar os estudos em um colégio presbiteriano do município vizinho de Wagner. A experiência no instituto Ponte Nova a marcaria para sempre e abriria as portas para o futuro que sonhou.
Do outro lado desse umbral estava São Paulo e empresas como Ibrap, Estrela e Telesp. Formou-se Assistente Social pela antiga Faculdade Zona Leste e trabalhou 22 anos na Febem até se aposentar. Um longo e belo caminho desde os tempos de lata na cabeça sob o sol baiano.
Não casou, mas foi namoradeira enquanto solteira. Com Carmélio, o único relacionamento sério, foi diferente. Juntos por 15 anos, viveram sob o mesmo teto, viajaram, foram a bailes e restaurantes e curtiram a companhia um do outro até a partida dele, em 2007.
Se a vida não lhe deu filhos naturais, a sobrinha Luciana foi na prática e de direito. Maria Angélica a criou desde os quatro meses de idade, o início de uma relação profunda, maternal, mas também companheira. De tempo compartilhado, viagens anuais e carinho. Viviam juntas, tanto física como afetivamente.
Alícia, filha de Luciana, foi sua neta. Desdobrou-se no papel de avó e curtiu cada minuto. Brincavam de bola, jogos, passeavam, viajavam dormiam juntas. Princesa do seu coração, como costumava dizer, a menina lhe deu todos os dias por nove anos mais um motivo para viver. Os outros netos herdou da irmã Eulice, falecida em 1979: Fabrício, Rodrigo, Alessandra, Paula, Amanda e Rafael. E em Edward encontrou um genro implicante a quem amava mesmo quando irritada com os trotes e brincadeiras com o seu celular.
Ativa, Maria Angélica se distraía na hidroginástica e adorava combinar o look para sair com as muitas amigas. Cedia à vaidade nos batons, brincos, pulseiras e anéis. E um lencinho no pescoço para arrematar o visual com charme, orgulhosa dos cabelos pretos naturais. A vida pulsava na personalidade alegre, espontânea, divertida e generosa, sem pudor na felicidade.
Já o jeito comilão, dado a furtos de docinhos em festas ou quem sabe até uma marmitinha para o dia seguinte, nem sempre passava impune pelo estômago mais sensível. Carregava traços louváveis, uma disposição infinita para o perdão sem mágoas e um desejo sincero de fazer o bem. Mas era feita também de impulsos mais inusitados: não revelava a idade nem sob tortura. Ao contrário, dizia: “Eu não tenho idade, eu tenho Vida!”.
Meses após uma viagem ao Nordeste com a família, passando por Maceió, Aracaju, Cânions do Xingó e São Miguel dos Milagres, descobriu um câncer no pâncreas. Foram cinco semanas de luta antes de partir. Foi-se como veio, cheia de vida.