Jaime Alves Moreira
O chinelo de dedo ficou para trás quando Jaime precisou correr para alcançar o pau-de-arara em algum momento da longa travessia entre Exu, interior de Pernambuco, e São Paulo. Quase também ele ficara pelo caminho, os pertences já reduzidos à roupa do corpo e nada mais. No futuro lembraria dessa cena, uma das suas muitas histórias, repetida para os filhos e netos que teria na cidade grande.
Naquele momento, aos 17, deixava para trás a vida por vezes massacrante do sertão. Dos 17 irmãos, apenas 11 sobreviveram. Aos 12 anos Jaime viu o cavalo do pai voltar para casa carregando o corpo dele - passara mal e infartou enquanto trabalhava sob o forte sol.
São Paulo também não foi exatamente fácil para Jaime, mas a vida melhorou na esteira do trabalho incessante e da insistência. Na visita ao irmão em Mariápolis, então um distrito de Adamantina, no interior do Estado, conheceu Maria. O pai dela era contra o relacionamento, temeroso da falta que a menina faria em casa caso fosse para São Paulo.
Foi justamente o que ocorreu quando Jaime abriu uma borracharia em Guarulhos em um posto de gasolina às margens da Dutra. Foram cerca de 50 anos à frente daquele negócio e 61 ao lado de Maria. A parceria dos dois foi além das filhas Maria Vilma e Ana Marcia, organizada e boa administradora, Maria chegou até a salvar as finanças da borracharia em determinado momento.
Se não tinha muito jeito com a parte burocrática do negócio, Jaime trabalhou como poucos, de domingo a domingo e sem férias. A família chegou a achar que não daria conta do serviço pesado, mas essa era a sua maneira de existir. Efeito colateral dessa dedicação, foi ausente em casa naqueles tempos, mas tornou-se outro pai depois da aposentadoria. Teve a sorte de poder curtir o lar e os netos, Victor e Arthur, e de viver um processo de abertura cada vez maior com a chegada da velhice.
Antes já aprendera a tocar violão sozinho e era apaixonado pelas canções de Luiz Gonzaga. Nos seus poucos domingos de folga a família se reunia ao redor de uma pequena vitrola para ouvir os discos do Rei do Baião.
O futebol era outra paixão, especialmente o Santos. Mas gostava de falar curiosidades sobre os jogadores, sabia até onde nasceram. E lia o jornal da primeira até a última linha todos os dias, a assinatura fora um presente do genro Ismael, para ele o filho que não teve. Apesar do pouco estudo adorava escrever bilhetinhos para as pessoas, e recentemente a família encontrou algumas dessas notinhas endereçadas aos netos, seu xodó.
Jaime partiu por complicações da demência e de um AVC, mas antes da despedida soube encontrar o amor. E ser feliz.