Maria Aparecida dos Santos Nascimento
Na casa onde viveu praticamente toda a sua vida, as manhãs de Dona Cidinha respeitavam uma sólida e longeva rotina: ligava o rádio para ouvir as notícias; tomava seu café assistindo ao jornal televisivo; regava suas plantas no grande quintal, onde conversava com as vizinhas; olhava as roseiras da frente e dava bom dia para o seu entorno na rua. Muitas daquelas pessoas Maria Aparecida viu nascer, viu os pais de outras engatinhando. Privilégios de raros e lúcidos 98 anos de vida.
Uma trajetória além do seu tempo em muitos sentidos. Filha única, teve a chance e a vontade de se dedicar aos estudos e formou-se professora. Mas foi um concurso para a Secretaria da Fazenda que selou sua vida profissional. Entrou nova no serviço público e lá ficou até o fim da sua vida.
Viveu com o os pais Laudelino e Júlia, com a tia Maria e com Luiz, irmão de criação. Mas pouco a pouco foi ficando sozinha. Primeiro se foi o pai, depois a mãe, o irmão e por último a tia. Não era casada e nem tinha filhos, preferiu viver sozinha. Mas não solitária: com as amigas e senhoras da vizinhança fazia excursões para Aparecida do Norte e outras localidades, estudava em cursos no Círculo Operário da Penha, e ia à igreja.
Já o universo material de Dona Cida fora preservado de outros tempos. Das roupas favoritas - saias até o joelho, meias de seda - até a mobília septuagenária do seu lar. Mesmo os eletrodomésticos eram sobreviventes de épocas mais lentas e menos descartáveis. Um fogão com mais de 60 anos de uso ainda fazia sua comida em 2018, a televisão de tubo seguia forte na sala. Preservada em uma gaveta, uma carteira de identidade de 1942.
A crença do objeto restrito à sua função e o pouco interesse na modernidade moldavam suas escolhas. E o gênio forte só cedia após ser convencido do contrário por fatos. Talvez por essas preferências, ou ainda pelo seu histórico familiar e educacional, não era fã de beijinhos ou abraços. Dona Cida era formal nesse aspecto, com ela era bom dia, boa tarde e boa noite.
Preocupava-se com a saúde mental com o passar dos anos e foi bem-sucedida na prevenção à demência. Seu segredo eram as revistas de palavras cruzadas e o consumo regular de notícias. Assim, conversava sobre qualquer assunto, à exceção das novelas, que evitava.
Dona Cida gostava de viver, e bem. Depois de quebrar o joelho dois anos atrás, seu prognóstico era voltar a andar com dificuldade após intensa fisioterapia. Ao invés disso conduziu seu próprio tratamento colocando um saco de cinco quilos de arroz sobre a articulação e depois se movimentando. Voltou a andar sem sequelas depois de então. Foi levada por complicações renais após uma vida plena e nos seus termos.