Laura da Silva Miguel Olivé
Matreiro, o destino colocara o amor da vida de Laura justamente no bondinho que a atropelou um dia, na saída do trabalho. Não fazia muito deixara a vida pacata na pequena Agudos, no interior de São Paulo, buscando algo melhor na capital. Antônio prontamente a socorrera e depois de então não sairia mais de perto.
O gerente de vendas de livros e a professora primária do Ensino Público tiveram um casal de filhos, para quem ela foi mãe presente. Não muito afeita a beijo e abraços, é verdade, mas zelosa e batalhadora, fazendo o melhor por eles. Além do lar e do estudo, também os ajudou a comprar os primeiros carros e casas quando o momento chegou. Em troca recebeu gratidão e também piadinhas por conta do seu jeito controlador.
Porque não queria para os filhos as dificuldades que vivera na própria infância. Nascera em Borebi, interior do Estado, na época um distrito de Agudos, mas mudou-se ainda pequena para a cidade. Seu pai montou lá um armazém de secos e molhados, como chamavam as vendinhas à época, e a família morava nos fundos. Se a vida não era fácil, ao menos nunca lhe faltou nada.
Teve também a companhia de cinco irmãos nas brincadeiras de então. Décadas depois, ainda lembravam-se, aos risos, dos momentos em que Izaura, irmã mais nova, pedia para ser sua filha ao brincar de casinha. Ao ouvir um “não” dito apenas para contrariar, a caçula reclamava com a mãe, que vinha nervosa atrás delas de tamanco na mão. A cômica perseguição seguia pela rua, em volta do mesmo casal de idosos sentados em cadeiras até cansarem.
Adulta, a diversão eram as palavras cruzadas, novelas, programas de perguntas e respostas - acertava quase todas - e os passeios com Pitu, o amado cachorro da família há 16 anos. Também gostava muito de viajar para a praia com a família e chegou até um dia a sonhar em comprar um apartamento perto do mar.
O gênio forte e dominador guiava uma personalidade amiga da Justiça, terrivelmente desejosa de independência, honesta e de bom coração, ao menos que houvesse alguma birra envolvida. Deixou para os filhos a lição de que o trabalho honesto, a seriedade e respeito são o caminho para conquistar tudo o que precisam.
Morava no Belenzinho há cinco anos depois de 30 vivendo em Guarulhos, e levava uma vida tranquila, com almoços aos domingos no Sesc Belenzinho ou no shopping. A família viajou para Agudos algumas vezes para visitar parentes, e Laura passou feliz o Réveillon de 2018, ao lado dos seus em Caraguatatuba.
Mas em janeiro uma queda durante o passeio com Pitu e uma fratura no braço deram início a dificuldades no caminhar. Meses depois descobriu o aneurisma que a levaria afinal durante seu sono. O som da sua gargalhada contagiante ainda ecoa no ouvido dos seus amores, invocando a imagem da mulher forte, dedicada e carinhosa que foi em vida até o fim.
"...agora aguardam a ressurreição prometida por Nosso Senhor Jesus Cristo em João 5:28,29"