João Mariano de Lima
João escapou da fome na pernambucana Pesqueira para encontrar uma vida plena e até um inusitado recomeço amoroso em São Paulo. Teve sorte ao sobreviver à escassez de recursos e ao trabalho brutal da colheita de cana, ao contrário de seus seis irmãos. E com 17 deixou o sofrimento da infância para trás definitivamente.
Em um de seus primeiros empregos, em uma recuperadora de pneus, faria uma longa carreira de 42 anos, até a aposentadoria. O espírito trabalhador, adestrado na dureza do agreste, não permitia férias. Josefa surgiu em seu caminho naqueles tempos, e a feliz vida a dois, coroada com um filho casado e encaminhado, foi interrompida após 49 anos com a morte dela.
Desconsolado após o luto, buscou a amiga Marilene com um pedido incomum. Estava procurando uma mulher para trabalhar para si ou para casar. Ela avisou Maria do Socorro, que prontamente topou o serviço doméstico, mas ficou de pensar sobre essa história de casório.
João não se fez de rogado e foi até a casa onde ela vivia com os pais, Horácio e Sebastiana, para conhecê-la. De cara, achou-a nova demais aos 39 - ele tinha 60 à época. E ouviu de volta: “meu filho, o amor não tem idade”. Talvez motivado por essa verdade, pediu na hora sua mão aos pais, surpresos ao descobrir que o casal se conheceram naquele momento.
A união precisou esperar. Maria trabalhou na casa dele por dois anos, e nesse tempo a dúvida foi dando lugar ao afeto e eventualmente ao amor. Depois do casamento ela parou de trabalhar, largou até a barraca de roupas na feira e passou a dedicar-se ao marido. João completava um ciclo depois de um início com tantas provações, e agora entregava-se aos mimos da esposa, às comidas, aos cortes de cabelo e de barba e aos passeios e viagens.
Foram felizes como duas crianças até o fim. Com Alzheimer e sentindo aproximar-se o seu momento de partir, João a chamou para conversar. De mãos dadas disse: “eu estou indo embora, você se arrume bonitinha todo dia, vá passear, e se aparecer alguém legal você casa. Vai surgir alguém para você ser feliz como eu fui”. Maria nunca esqueceu esse dia e segue o conselho à risca, “ele falava que ia ficar olhando do céu, que era pra eu ficar bonita. E do jeito que ele me falou eu estou fazendo. Ele deve estar feliz lá no céu”.