Maria do Socorro Feitosa Cavalcanti
Maria do Socorro teve o emprego dos sonhos de toda a menina, mas só quando já era adulta. Na linha de produção de bonecas da fábrica da Estrela, em São Paulo, passava os dias penteando os cabelos dos brinquedos, para que ficassem sedosos como os da embalagem. Ali já se manifestava a propensão para o cuidado, sua característica mais marcante, definidora da personalidade de matriarca.
Isso foi depois da longa viagem na boleia de caminhão entre a pernambucana Poção e a cidade grande do sul. Trouxera consigo já dois filhos, José Ivanildo e Maria Ivanilda, concebidos com o marido Dorgival. A viagem, ao lado do restante da família e de 10 irmãos, fora arranjada por Tião, o mais velho e já assentado na metrópole.
Maria deixara para trás ali, jovem aos 23 anos, a infância sofrida da roça para encontrar mais conforto e oportunidades em São Paulo, onde nasceram Ana Iranilda e Angela. Logo trocou o serviço na fábrica de bonecas por outro ainda no universo infantil: tornou-se merendeira concursada em uma escola municipal. Gostava da proximidade com as crianças e chegou até a ter alguns dos netos por lá.
Dorgival partiu cedo, e durante todo o período de luta contra a deterioracão da saúde contou com o zelo e com a atenção de Maria. Porém o seu falecimento não alterou a dinâmica de poder da casa, pois quem sempre ditou as regras foi ela. Matriarca por excelência, mandava e desmandava, assumia as contas e fazia questão de cuidar de todos. Essa preocupação com o bem estar dos seus levou até o leito de morte, exortando-os a seguir olhando uns pelos outros.
Do outro lado dessa moeda, um certo autoritarismo também a movia. Reunia todos sempre na sua casa e era normalmente consultada nas decisões importantes. Com os oito netos - Antonio, Sidnei, Lilian, Danylo, Fernanda, Amanda, Caio, Carolina - foi avó de portas abertas, e preocupada com a alimentação.
Porque disso ela entendia e foi justo na cozinha de casa e da escola que manteve viva a conexão com a sua terra natal, estabelecida pelo paladar. Tapioca, cuscus, pirão, feijoada, rabada, um amado bolo Pullman e outro chamado orelha de pau mantiveram a sua culinária no Nordeste. As lembranças do tempo de roça e das tradições pernambucanas também escapavam pelos dedos na costura de fuxicos e de blusas da típica renda renascença.
A pneumonia que a levou surgiu sorrateira na esteira de uma cirurgia após um fêmur fraturado em uma queda. Maria se foi, mas absolutamente certa de ter cumprido o seu papel no cuidado dos seus, e feliz pelo reconhecimento e pelo amor que recebeu em retorno.