Ivone Marcuschi Nepomuceno

 
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Ivone conviveu com a sonhada e esperada neta Bárbara por apenas dois anos entre doenças e internações, mas provocou a primeira risada da bebê. Rir muito e alto foram parte da filosofia de vida dela, uma maneira de enfrentar os inevitáveis obstáculos da vida com força e altivez. E assim, “soltando gaitadas” como costumava dizer, encarou, lutou e venceu, e de quebra conquistou a todos com seu jeito único.

Desde criança, na gaúcha Guaporé, sabia-se diferente dos outros. A criação religiosa brigava em si com o jeito encapetado, à frente do seu tempo. Mudou-se para São Paulo com os pais e os quatro irmãos quando contava 21 anos e na cidade conheceu o policial civil José Carlos. A família de pronto não aceitou o relacionamento com o homem, recém-divorciado e pai de dois filhos. Ivone, jovem e bela, decidiu viver a vida do seu jeito.

Tiveram uma filha, Jessica, em um relacionamento de altos e baixos que lentamente, no curso de 40 anos, tornou-se uma amizade sólida. Há anos dormiam em quarto separados, mas permaneceram companheiros apesar de tudo.

Ivone floresceu de maneira independente. Com uma voz suave e angelical foi radialista e gravou telemensagens de telefone. Cursou o antigo magistério, foi empresária e trabalhou com pesquisas de mercado. Seu forte, no entanto, era o talento para o comércio: vendeu flores artificiais, lingerie, pijamas, bijouterias e cosméticos. E, em uma passagem mais curiosa, até batatas fritas caseiras em frente a casas noturnas.

Em casa foi uma mãe protetora, mas participativa, conselheira, carinhosa, amiga dos amigos de Jessica e de uma boa festa. Gostava de ter visitas e de ganhá-las pela barriga, especialmente com seus lendários bolos, e com o jeito cativante e comunicativo. Era vaidosa e vivia maquiada, elegante com suas bijouterias e roupas finas. Acreditava em estar bonita para atrair coisas boas, mas também tinha um fraco para compras.

Ivone sempre fez o que quis, à sua maneira espirituosa e por vezes excêntrica: embebedava de vinho Rosalina, mãe idosa de quem cuidava; decorava o carro com insetos de plástico e jogava ratinhos e aranhas nas pessoas na rua; fazia amizades no ponto de ônibus, inclusive com os mendigos; lia livros espíritas enquanto admirava Santa Edwiges, mas se dizia cigana. Divertia-se em confundir.

E sentia prazer em cuidar dos outros. Olhou pela mãe por anos enquanto ela esteve acamada. E sonhou em ser avó, apear de não pressionar a filha para isso. A chegada de Bárbara ocorreu na sequência da partida de Rosalina, quando também Ivone já estava debilitada fisicamente e deprimida pela perda. Mesmo nesses momentos, o sorriso venceu em seu rosto a vontade de servir predominou: enxergar o lado bom das coisas era seu valor maior.

Guerreira, superou dois cânceres de mama, um derrame pleural no pulmão e anos de problemas no fígado. Seguiu cuidando de todos, às vezes em detrimento de si, até o corpo começar a parar. Já não escrevia ou dirigia, a tagarelice já não sobressaía. Ivone foi levada por uma falência múltipla e choque séptico, mas as incontáveis lições de como viver e ser feliz vivem em seu lugar.

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