Mitio Makimoto Mikuni
Mitio converteu-se em Dona Marina para facilitar a pronúncia das muitas pessoas que interagiam consigo. Era mesmo conhecida no bairro, adorava um papo com as vizinhas e trazia um mimo pronto para quem cruzava seu caminho quando batia perna por lá: balinhas para os atendentes do banco, pãozinho para os porteiros do prédio, um trocado para quem trocava sua lâmpada.
Era das pessoas raras que perguntam sobre cada membro da família alheia por nome e realmente presta atenção na resposta. Quando visitava, chegava invariavelmente carregando um pudim de leite condensado geralmente feito em casa. Assim, de gentileza em gentileza, conquistou a todos.
Nasceu em Marília, no interior de São Paulo, onde cuidava dos muitos irmãos mais novos e ajudava a mãe nas tarefas domésticas. Já na capital e casada com Hiroshi - Paulo para simplificar a vida dos conhecidos - teve Ademar e Humberto, frutos de uma relação de paixão, de parceria e de muito trabalho. Foi dona de casa e lá pôs em uso toda a habilidade criativa de suas mãos: tricô, crochê, bordado, costura, artesanado e culinária. Enquanto isso o marido sustentava o lar com o serviço na auto-elétrica que construiu do zero.
Foi mãe dedicada e atenciosa aos seus pequenos, deu a eles o que podia e não podia até quando já não eram mais tão pequenos. Com os netos Thais e Vinicius superou-se: inventava brincadeiras na garagem, fazia bolinhos de chuva em dias de sol e contava lindas histórias para dormir. Os outros três - Kenji, Kaori e Aline - moram no Japão e ela conheceu apenas por foto. A bisneta, Ana Clara, Aninha para a bisa, era a mais nova paixão, presenteada com docinhos e salgadinhos quando a visitava.
A mente de Mitio andava à frente do seu corpo e das limitações da idade. Extremamente independente, nunca precisou de ninguém, e apreciava a liberdade de ir para onde quisesse e com quem decidisse, privilégio tolhido pela epidemia de Covid. Em casa era cheia de manias, de guardar as roupas em cima da cama até acumular embalagens de plástico e de isopor.
Não tinha medo da morte, pelo contrário, temia não viver, consciente da impermanência das coisas. Movida por esse desejo e urgência chegou até a tirar carteira de motorista aos 70 anos depois de mais de quatro décadas longe do volante. A certeza do caráter transitório das experiências a afastava do sofrimento arrastado. Se caía, levantava em seguida. Precisava seguir.
Esse caminho chegou ao fim nas complicações de uma úlcera digestiva que nunca se converteu em queixa, fosse pelo seu caráter resiliente, fosse por não querer preocupar ninguém. Partiu rápido, mas a lembrança da irmã atenta, da boa filha, sábia mãe, grande avó e bisavó amorosa permanecerá.