Margarida Gomes Hasselmann
Margarida sempre valorizou a própria liberdade e independência, poucas coisas eram tão importantes pra si. Coerente e fiel aos seus valores, teve nessa cadência o guia dos movimentos da sua vida, direção dos seus passos. Em sua trajetória não houve lugar para arrependimentos ou desejos suprimidos pelo tempo, apenas a certeza de ter bebido da vida até a última gota, uma existência plena de experiência e de sentido.
Cresceu em Ruy Barbosa, na Bahia, em uma família pequena para os padrões do Brasil rural de então. Filha única, dividia o lar com os pais e com Durvalina, irmã adotiva que a acompanhou pela vida. A infância era tranquila naqueles tempos, mas ficou mais difícil com a ida de todos para São Paulo quando a situação financeira apertou na casa.
Na cidade grande, a mãe, Hosnilda, trabalhou em casas de família para ajudar nas finanças. Margarida, bonita e comunicativa desde criança, era sempre acolhida nos lares e brincava com os filhos dos patrões. Foi em uma dessas ricas residências que ouviu pela primeira vez o som de um telefone, então um luxo exclusivo. Assustada, saiu correndo na hora.
A rotina demandante e a necessidade a impediram de estudar; desde muito cedo precisou trocar os livros pelo turnos em indústrias, lojas de rua e por fim como recepcionista de hotel. Trabalharia fora de casa a vida inteira.
Seu primeiro e último casamento durou apenas um mês. Depois teve dois relacionamentos longos e um filho em cada, Carlos Eduardo e João Augusto. A personalidade forte e independente estava décadas à frente do seu tempo. Margarida nunca aceitou ser submissa e receber ordens de homem algum, algo inaceitável pela maioria deles. Não havia espaço nela para dúvidas ou arrependimentos, precisava ser fiel a si.
Possuía uma beleza incomum, olhos verdes ladeados por mechas louras. Chamava a atenção onde fosse e tinha plena consciência deste poder. Vaidosa, orgulhava-se da própria aparência e apreciava os elogios. Gostava de sair para dançar nos bailes, da música de Roberto Carlos e de Julio Iglesias, de curtir um bom vinho, mas também de estar com a família, especialmente nas festas e no fim de ano.
Foi com um sentimento de realização que recebeu seus últimos anos. Sentia ter vivido de tudo, as viagens, os amores, as coisas boas. Realizou seu sonho de autossuficiência e de liberdade, até a casa foi comprada com o próprio suor. A saúde sólida foi abalada pelas sequelas da Covid-19, e Margaria partiu, cremada como sonhou. Não dependeu de ninguém, nem em vida nem depois.