Youssef Salman Saab

 
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O libanês Youssef tinha 32 anos quando chegou ao Brasil fugindo da guerra que assolava seu país em 1969. Lutara no conflito, onde perdera um dos seis irmãos, e chegava à nova pátria com apenas 500 dólares no bolso e uma mala de roupa. Lembraria essa cena por décadas a todos aqueles que julgava não estarem se esforçando como se esforçou. A personalidade sisuda e exigente não permita meios-termos.

No vilarejo natal de Kawkaba sua família tinha uma fábrica de guardanapos, e Youssef trabalhava como marceneiro. Lá mesmo conheceu Najla, prima distante que já vivia no Brasil e voltava para visitar. Quando foi a vez dele rumar para a América, hospedou-se na casa de parentes em comum em São Paulo. Aproximaram-se, namoraram e casaram. Ele era mascate, vendendo tecidos de porta em porta. Ela tinha uma loja e negociava roupas e perfumes.

A lanchonete que montaram juntos na Vila Galvão - e no Mercadão ao final - mudou tudo e definiu sua vida por mais de três décadas. Preparava ele mesmo as esfihas, os kibes e os recheios da Lanchonete do Primo. E ai de quem mexesse no seu tempero. Considerava a sua comida a melhor do mundo; e quem comeu por lá se lembra até hoje, anos depois do fechamento do negócio.

Aquela culinária especial era um tributo à sua meticulosidade, mas também ao seu autoritarismo. Tudo precisava ser feito do jeito dele e na sua ordem particular. "Se não fizer do meu jeito, corto a cabeça fora", costumava dizer - e ninguém pagava para ver. Se enxergava difícil e encontrava justificava no próprio nome. Saab (Saeb no original) significa justamente isso em árabe - Youssef carregava o sobrenome pelos dois lados da família.

Era durão assim também com a Najla. Tiveram um filho, Alfredo, e uma neta, Ana Najla. Diversão e leveza apenas nas partidas de Tarnib, parente árabe do Buraco, seu lazer aos finais de semana após fechar a lanchonete. Reunia-se com compatriotas na sua casa ou na de Karim, único irmão que veio para o Brasil com ele (as irmãs ficaram no Líbano com seus maridos). Nessas jogatinas pela madrugada só participavam homens, as mulheres ficavam na cozinha, comendo e cozinhando.

Dizia que era primeiro brasileiro e depois libanês, uma declaração forte por conta do nacionalismo do seu povo. Ficara fascinado com sua nova pátria por ter sido bem acolhido aqui, e brigava se alguém falasse mal do Brasil na sua frente. Do Líbano manteve a fé católica maronita e a devoção a Charbel, o santo libanês. Não perdia as missas aos domingos.

Viu realizados os sonhos de ter uma família e um comércio, mas não conseguiu trazer para perto suas irmãs, apesar de lhes mandar dinheiro do Brasil. E seguiu negociando absolutamente tudo. De camisas com vendedores em lojas até procedimentos e prazos com os médicos quando adoeceu.

Seu Alzheimer se acentuou depois da morte da esposa, acompanhado pela diabetes e pressão alta. Mas Youssef não abria mão facilmente das suas comidas favoritas. Doces de coco, pudins e esfihas seguiam parte da sua vida, enquanto os médicos chegaram a lhe desacreditar após três falhas múltiplas nos órgãos. Até o incidente derradeiro que o tomou enfim. Em vida Youssef teve a sorte de poder fazer tudo à sua maneira. Senhor dos próprios passos até o fim.

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