Gracinda Augusta Quintas de Castro
Gracinda desembarcou no Brasil com 29 anos, dois filhos e nenhuma lembrança do país onde nasceu. Fora ainda bebê com seus três irmãos e os pais, Francisco e Maria, para Portugal, pátria natal deles e onde cresceu, casou-se, teve suas crianças, viveu e foi feliz. No retorno derradeiro à sua terrinha, ao mesmo passo familiar e estrangeira, um recomeço em meio à família crescente preencheu seus dias, enquanto os tempos difíceis foram lentamente dando lugar ao conforto.
Gracinda deixara em Portugal a infância e adolescência tranquilas em Trás-os-Montes, boa parte dos parentes e um ex-marido. Em São Paulo, encontrou serviço na casa de uma família alemã para alimentar sozinha seus meninos. Reencontrou também seus irmãos, que já haviam feito a travessia antes.
“Meu Paulino e meu Fernando”, era como chamava os filhos que cresciam. Para eles foi mãe enérgica, mas também carinhosa. Já adolescentes, retribuíram o cuidado trabalhando para que Gracinda pudesse enfim descansar. Mas, claro, não muito longe da cozinha, de onde preparava a comida gostosa e pesada que lhe era peculiar. Carne louca, feijoada e torresmo eram algumas das especialidades, assim como as bolas, espécie de rosquinha com calda, típicas de Portugal.
Foi dessas avós que apavoram as mães, estragando sem dó os netos. Teve quatro e depois sete bisnetos, a quem não negava nada. Brincalhona, cantava sozinha e pegava as crianças para dançar, especialmente as canções de Roberto Leal, seu artista favorito.
Tinha paixão pelo mar e não perdia chances de ir à praia com as amigas, fosse de carona com conhecidos ou em excursões da igreja. Quando ficava em casa, a distração era costurar peças de tricô e de crochê. Das suas mãos saíam toalhas, meias, colchas de cama e luvas de lã, para a alegria da família. Sentia prazer em reuni-los, em ver a mesa cheia, em brincar com todos.
Uma forte pneumonia há três anos a deixou debilitada. O corpo gordinho emagreceu com a alimentação mais regrada e com o tempo foi parando de andar. Nunca se curou completamente, e complicações a levaram. Foi internada pela última vez no dia do falecimento de Roberto Leal, mas não o soube. Gracinda nunca mais voltou a Portugal depois daquele longínquo desembarque no Brasil, em 1953. Foi feliz aqui.