Glória Ferreira da Silva
Foi difícil, mas Glória não só criou uma grande família em boa parte sozinha como a ensinou a ser unida como poucas o são. Carente de ensino formal - nunca soube assinar o próprio nome - era no entando rica em sabedoria. Assim educou os filhos e os mostrou, menos com palavras e mais com ações, a importância de se estar junto.
No pequeno vilarejo de Itamotinga, interior da Bahia, às margens do Rio São Francisco, a infância não lhe deu tempo para ser criança. O trabalho na roça urgia ao lado dos seis irmãos, uma constante em sua vida até deixar o povoado para trás, já na velhice. E mesmo assim, em meio a todo o trabalho braçal e extenuante, logrou formar uma família. Ainda que de maneira conturbada e a duas penas.
A primeira filha teve ainda jovem, do namorado de então. Porém, ao saber da gravidez ele a deixou. Anos depois conheceria o segundo homem da sua vida e com ele teria outras cinco crianças. Mas mais uma vez o relacionamento malograria e ela terminaria só, com seis pequenos para cuidar. Houve ainda um terceiro quando os filhos já estavam mais crescidos. Outros três rebentos somariam-se aos seus, mas dessa vez seria ela a botar um ponto final depois que ele passou a beber, já morando e empregado em São Paulo, assim como ela.
Sua primogênita, Jailda, foi quem a levou com o companheiro para a cidade grande e de quebra ajudou a criar os irmãos menores. Glória encontrou serviço como empregada em um supermercado. Seu espírito de sobrevivente a impediria de parar por completo. Mesmo anos depois, aposentada por pressão dos filhos, estava sempre em movimento, fosse cozinhando ou cuidando dos netos.
E na cozinha encontrava o elemento capaz de manter a família toda perto de si. Seu maior prazer e distração era fazer comida e chamar todos os filhos, netos e bisnetos para a casa que construíram para ela em Guarulhos. Até topava ir a outros lares, mas gostava mesmo era de reunir os amores sob o seu teto, sob seu reino. E exigia pontualidade: marcava às 12h, mas uma hora antes já ligava para cobrar a presença.
Em dias de churrasco não deixava de preparar as comidas do dia a dia tampouco. Acordava cedo e surgia com frango assado, macarrão, feijão com carne seca, salada e maionese. Não permitiria que nada faltasse em sua casa e preocupava-se com as preferências de cada um dos convidados. Seu sucesso com os netos era estrondoso, e o analfabetismo nunca a impediu de aprender novas receitas para agradá-los.
Aliás, não via desfeita maior que receber visitas sem fome ou pior, fazendo cerimônia. Fossem sua família ou os muitos amigos e vizinhos do bairro, passando da sua porta era bom comer. E quando o número de convidados era maior, a família alugava um sítio para abrigar a todos. Para estar junta.
E assim, próximos, lembraram dela no domingo seguinte à sua partida. No encontro, organizado pelo sobrinho Jabá, a família falou da vida de Glória, a matriarca que teve nada menos que oito filhos, 24 netos e 13 bisnetos. E dissertaram sobre a maior das suas lições: a importância de estar junto.