Wagner Gonçalves Nunes
A vida de Wagner foi um constante embate entre o sujeito amável, inteligente e curioso e o homem mercurial, capaz de perder a paciência em questão de segundos. Encontrou refúgio da raiva que teimava em brotar do peito aos borbotões na arte, nas palavras santas e no amor imensurável do seu entorno, até ir para um lugar onde ela não poderia mais perturbá-lo.
O jeito impaciente e indisciplinado impediu a conclusão do ensino fundamental, mas não conteve seu ímpeto intelectual. Era apaixonado pela mecânica dos aparelhos de som e desenhava muito bem. Chegou a pintar o rosto de todos os atletas do São Paulo, paixão da família, sobre peças de jogo de botão.
Após perder o emprego aos 15 anos, o pai, Abílio, trabalhador nato e preocupado com a trajetória do filho, aprendeu a fazer reparos em eletrônicos para ensinar-lhe uma profissão. Wagner, porém, manteria uma relação complexa com o mundo do trabalho até o fim da sua vida.
Com as questões psicológicas se avolumando, foi internado em uma clínica psiquiátrica, mas seus pais retornavam desolados das visitas. O filho deles parecia completamente alheio ao mundo, imóvel e de olhar perdido, tal qual um boneco. Ainda assim encontrou forças para, contrariando as expectativas, fugir de lá para nunca mais voltar.
O relacionamento com Leonor rendeu casamento e filha, Cristina Michelle. Abílio alugou e mobiliou uma casa para os dois. Wagner chegou a mudar para melhor, mas novamente seu comportamento violento se sobrepôs. Separaram-se eventualmente.
Simone, quando surgiu em sua vida, topou ficar ao seu lado mesmo sabendo das questões do passado. Mais uma vez Abílio intercederia pelo filho, reformando para a nova família uma casinha humilde, herança familiar. O casal teve um filho, Matheus, e mesmo em meio às suas crises mais graves, permaneceu junto.
Apesar, ou talvez por conta, dos problemas, encontrava na Bíblia um antídoto para a raiva. Um caminho para a serenidade de espírito tão rara em sua vida. Lia o livro sagrado de cabo a rabo e chegou mesmo a tirar carteirinha de pastor. Sentia-se uma pessoa melhor nesses momentos e até dava bênçãos a fiéis e a amigos. Como Rubens, companheiro fiel de toda a vida e curiosamente nascido no mesmo hospital; que também lhe ajudou quando mais precisava.
A família quis que se aposentasse como inválido por conta do histórico psiquiátrico, mas ele nunca deu importância. O mesmo se deu com a hipertensão. E assim, um AVC o internou no hospital. Durante sua trajetória, a relação com as mulheres da sua vida, Leonor, Simone, e a mãe, Adelaide, sempre foi difícil, marcada por altos e baixos, mas rica em amor. Assim como também foi com as irmãs Neucy e Joana, unidas no cuidado com ele. Sentindo seu fim próximo, esperou o adeus da mãe antes de partir, levado por uma infecção.
Entre os pertences que deixou, muitos aparelhos de som e TVs, além de LPs, CDs e livros de história da arte. Amava o cantor Demis Roussos, partilhava o gosto musical com Neucy. Triados por ela, esses bens, uma parte de Wagner, agora vão colorir a vida de outras pessoas.