Maria Nilza Ribeiro de Queiroz
Quem teve sorte de provar o bacalhau assado de Maria Nilza nunca se esqueceu. Carro chefe da baiana radicada em São Paulo, deliciava as visitas que amava receber em sua casa. Carne cozida com molho madeira, um frango inteiro, vários tipos de macarrão e de saladas com frutas completavam a lista de delícias criadas por ela em dias de família reunida, de churrasco e de casa cheia.
Ecoava na sua cozinha a infância difícil em Itarantim, na Bahia. Única mulher entre nove filhos e padecendo de uma saúde frágil, foi criada cuidando da casa enquanto os irmãos trabalhavam na roça. Nesses tempos de memórias dolorosas, desenvolveu intimidade com as coisas do lar e o talento do preparo dos alimentos, um norte que definiria a sua vida de maneiras importantes.
Um casamento precoce aos 15 anos deu-lhe Rita e Paulo, mas a fugacidade da relação lhe obrigou a tomar medidas drásticas para cuidar das crianças. Quando o caçula contava apenas 20 dias de vida deixou os filhos com a mãe, Filomena, e foi para São Paulo batalhar por um futuro melhor para todos.
De cara conseguiu um serviço como cozinheira em um restaurante no Brás. Guerreira, ainda trabalharia como empregada doméstica, como cuidadora, e em uma fábrica de reciclagem na cidade que a acolheu. Mas foi pela sua culinária que encontrou novamente o amor. Antônio era pintor nas obras do entorno do estabelecimento e sempre almoçava lá. Foi conquistado pela barriga, brinca a família até hoje. Tiveram três filhas juntos: Verônica, Mônica e a Adriana.
Viveram mais de quatro décadas sob o mesmo teto, mas Maria desgostava-se frequentemente com o alcoolismo do marido. Antônio era trabalhador e responsável, mas só deixou definitivamente a bebida após converter-se à religião. Os dois afastaram-se romanticamente, mas lograram preservar uma relação de amizade e de carinho, cada um no seu quarto.
Maria prezava falar abertamente a verdade, mesmo que saísse briga. Sua maior qualidade era também o maior defeito pois a sabedoria para não magoar com seus comentários convivia com o gênio forte. Era, porém, a alegria da casa. E com carinho não media a própria generosidade para quem estivesse precisando. Foi mais que uma avó para Andreza, Vinicius, Ruan, Cauã, Verônica, Leandro, Caroline, Renato, Anderson, Lucas e Joyce. Teve ainda dois bisnetos: Sofia e Enzo.
Além do prazer de anfitriã, gostava de ir aos cultos na igreja e durante muito tempo sonhou em viajar para a Bahia, plano seguidamente frustrado pela correria do trabalho. Conseguiu realizá-lo ao final por duas vezes. Mas para a mudança definitiva para a terra natal, onde a vida era tranquila e sossegada, um desejo confesso, não houve tempo.
Vivia animada nos últimos meses, ainda com o sabor da última ida à Bahia e com planos de voltar em breve e quem sabe até comprar uma cantinho em Itarantim. Estava também prestes a se mudar em São Paulo, a casa nova quase pronta. E sonhava com a viagem planejada a Pernambuco, onde finalmente conheceria a família do marido. Mas dois AVCs em sequência a levaram antes. O sol de Maria apagou-se, mas a lembrança da sua intensidade, ao mesmo tempo generosa e alegre, permanece forte.