Arlindo Miguel dos Reis
Suas crianças tinham a história do pai, retirante da pernambucana Pesqueira aos nove, em mais alta conta que as das revistas em quadrinhos. Ouviam atentos aos detalhes da aventura em pau-de-arara repetidos com riqueza de detalhes por Arlindo, memórias de um caçula em um tempo difícil e distante, assombrado pela memória fresca do pós-guerra.
Oito dos 11 irmãos já haviam criado raízes e famílias, e seguiram lutando no sertão. Arlindo cresceria com os outros acotumado à necessidade premente do trabalho no sul, primeiro ajudando seus pais e depois correndo atrás do seu nos ônibus da cidade, como cobrador, motorista, fiscal e mais uma vez motorista.
Foi numa dessas viagens o primeiro encontro com Teresinha. Casaram-se jovens e tiveram três filhos, mas cedo Arlindo tornou-se viúvo, com os dois mais novos ainda em casa. O tipo simpático e afetuoso lhe rendeu, pouco depois, o amor de Edir, também ela passageira em uma das suas jornadas nos coletivos. Outras três crianças viriam.
Foi um grande pai para os seis. Desses de deixar memórias de cantiga de ninar ao pé da cama. “O legado dele foi construir a família”, diz a filha Diny. Arlindo concordaria, tinha na presença dos filhos, noras, genros, dez netos e dois bisnetos, uma grande fonte de alegria. Ficava exultante, ainda mais alegre e brincalhão, quando estavam todos juntos, fosse Natal ou algum aniversário. O amor pela família superou e ressignificou até a separação com Edir, que se manteve presente e de quem nunca perdera a amizade.
Cultivou também um bairro inteiro de amigos. No Parque Cecap tinha uma barraca onde vendia objetos diversos e onde consertava relógios, trocava pulseiras e bateria. Não tinha quem não o conhecesse o “seu Reis” por lá. O carisma e a facilidade para a piada eram tamanhos que em casa chamavam-no de “Dercy de calças”, em referência à imortal humorista brasileira.
Quem jogou uma das milhares partidas de pontinho, jogo de cartas que ensinou a todos os familiares, ainda não consegue pegar o baralho. E recorda o olhar carinhoso e a paixão pelo Palmeiras, realizada à plenitude na esperada visita ao estádio reinaugurado. E o apetite notável, entusiasta de todo o tipo de comida e capaz de preparar uma costelinha com mandioca como poucos.
Nos dois últimos meses, já lutando contra o câncer reincidente, sentiu e teve realizado um desejo diário por tulipas de frango, apelidadas de “pernudas” e capazes de despertar seu apetite. Amante da vida, antecipava o aniversário de 84 anos vindouro quando partiu.
Arlindo adorava descer para a praia, mas um dos seus lugares favoritos no mundo era o sítio da família em Atibaia. Suas cinzas serão espalhadas lá, onde viveu alguns dos momentos mais felizes da sua vida perto dos seus.